Era uma vez uma rapariga cheia de sonhos e de planos. Queria muito viver o conto de fadas de que ouvira falar durante toda a sua infância e, aterrada com a possibilidade de ficar sozinha, para tia, um dia decidiu casar. Casou com o único homem que, até aí, a tinha verdadeiramente estimado. Não sabia ela, coitada, que a estima em tudo é diferente do amor. Ela estimava-o, também. E amava a forma como julgava que ele a amava. Mas ele era miúdo, mais novo, mais imaturo, e apesar de toda a boa vontade que mostrava ter, não estava à altura da sensibilidade ou da maturidade dela. Ela investiu muito de si naquele casamento. Aturou coisas complicadas e feias à família dele (que era, por si só, complicada e muito feia).
Um dia engravidou. Por acaso. sem querer. O terror abateu-se sobre ela porque talvez ela soubesse, no mais profundo de si mesma, que aquele casamento não seria muito mais duradouro. Chorou muito. De culpa, de frustração, de responsabilidade acumulada nos ombros. Sentia-se muito filha, estava certa que não seria uma boa mãe. Este sentimento perseguia-a. E ele não soube apoiá-la.
Começaram as discussões, os desencantos. Ela sentia-se desfalcada de afectos e de cumplicidades, ele nunca estava em casa para ela. Dizia que estava a trabalhar. Nunca ficou provado...
Quando a bebé nasceu as coisas pioraram. Ela fez uma depressão pós parto bastante grave. Mais uma vez ele não soube apoiá-la. Não tinha paciência para tantas lágrimas. E afastava-se cada dia mais e mais.
No dia 18 de maio de 2004 decidiu sair de casa. Disse-lhe que tinha deixado de a amar. Que, das últimas vezes que lhe tinha dito "amo-te" tinha sido por pena. Por pena. Porque achava que ela precisava de ouvir alguma coisa do género. Mas que não, não era sentido. Há muito tempo que deixara de o sentir.
Veio o escuro e a tristeza e a tempestade. Vieram os muitos dias em que ela se sentiu perdida, amargurada, infeliz. Houve um dia em que pensou terminar todas as coisas. Mas tinha ali um bebé pequenino que exigia a atenção dela, que não a deixava desistir... Uma âncora, um peso, uma vida que a segurava à vida... para o bem e para o mal.
O que aconteceu depois? O resto da história fica para mais tarde...
Agora vou ali enxaguar as lágrimas que estas coisas que se recordam assim, a frio, ainda doem.
E algo me diz que hão-de doer sempre...